sábado, 13 de março de 2010

Preciosa

O nome do filme é "Preciosa", mas poderia se chamar "Caixa de Pandora".
Segundo a mitologia, a Caixa de Pandora é um objeto mágico que guarda todos os males do mundo. Conta a lenda que, quando a tal caixa foi aberta, todas as pragas saíram de lá de dentro e se espalharam pelo mundo, restando no fundo apenas a esperança. É mais ou menos esse o enredo do filme.



Preciosa é uma adolescente norte-americana negra, obesa e pobre que devido ao fato de estar grávida de seu segundo filho, é expulsa da escola antes mesmo de conseguir se alfabetizar aos 16 anos de idade.
O pai de Preciosa é também pai de seus dois filhos, sendo que a menina nunca teve namorado e é abusada desde os três anos por ele.
A mãe da garota odeia a filha por ciúme de seu "homem" como se Preciosa fosse responsável pelos abusos sofridos desde a infância. Além disso, a mãe maltrata e explora a filha a fim de receber pensão do Serviço Social.
A filha mais velha de Preciosa tem síndrome de down e é chamada carinhosamente de "Mongo" pela própria mãe, que pouco sabe discernir certo e errado.
Quando nasce o segundo filho de Preciosa, sua mãe atira o neto no chão e uma televisão na cabeça da filha, que escapa por um triz e vai morar com sua nova professora - uma lésbica que também não tem um bom relacionamento com a própria mãe.
Quando acredita ter se livrado da mãe, esta ressurge para dar à filha uma notícia: "Preciosa, seu pai tem o vírus da AIDS". E a garota, agora, precisa parar de amamentar o filho saudável que é a esperança que resta para um final feliz dessa história.
Quando assisti ao filme, tive a impressão de que não faltava nenhum ingrediente para um melodrama de péssima qualidade. A Caixa de Pandora não estaria então limitada aos males de Preciosa, a personagem, mas também a Preciosa, o filme. Engano meu. Saí da sessão quase aliviado pela péssima vida daquela menina que, de tão ruim, me fez ver que a esperança de se fazer um bom filme com baixo orçamento e elenco desconhecido é a última que morre.

Preciosa - Uma história de esperança
Direção: Lee Daniels
Elenco: Gabourey Sidibe, Mo'Nique, Rodney Jackson, Paula Patton, Mariah Carey.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Glauco


Hoje, morreu Glauco, um dos maiores cartunistas brasileiros de todos os tempos. Criador de tipos impagáveis como Geraldão, Glauco tinha um traço inconfundível em que todas as personagens têm a mesma cara e perninhas nervosas que se multiplicam a cada tirinha.
Geraldão, sua personagem mais famosa, jamais passou despercebida pelo meu olhar sedento por personagens insólitas (apesar de esta não ser minha tirinha favorita). De onde Glauco teria tirado a inspiração para criar um tipo que tem garrafas de cerveja equilibradas na cabeça, uma seringa suspeitíssima espetada na ponta do nariz e que desfila quadrinhos e mais quadrinhos sua ereção eterna completando o quadro bizarro de sua esquelética nudez?
E de onde teria surgido a Dona Marta (minha favorita), aquela mulher de meia idade e seios fartos que costuma atacar de gerentes a boys do escritório em que trabalha a fim de tirar o "atraso" dos tempos em que esperava pelo grande amor de sua vida?

E o Casal Neuras? E o Zé do Apocalipse?

O Geraldinho, sabemos que veio do Geraldão, mas de onde mesmo veio o Geraldão?

Essas perguntas já foram respondidas pelo próprio Glauco enquanto ainda vivia. Algumas nem precisam de respostas se pensarmos bem. Mas hoje, uma pergunta não quer calar: por quê?
Sabemos que a vida um dia acaba, mas Glauco, diferente do que foi dito lá em cima, não morreu: foi morto. Não por um bandolero de sombrero animado como a sua personagem em Los Tres Amigos, mas por um amigo - que não era nenhum daqueles outros dois. Por que mataram Glauco?
Que ataque de mau-humor foi esse?
Que piada mais sem graça foi essa?

E agora, o que será do Geraldão, da mãe do Geraldão, da Dona Marta, do Casal Neuras, do Zé do Apocalipse e de nós: fãs, leitores, telespectadores...
Pensando bem, Glauco não morreu como foi dito lá no início do texto, tampouco foi morto conforme o seu assassino mau-humorado esperava.
Glauco virou desenho. Pra sempre.

domingo, 7 de março de 2010

Invictus


Um filme sem surpresas:

1.Clint Eastwood continua sendo um diretor de primeira
Quem pretende ir ao cinema com a certeza de não desperdiçar o dinheiro do ingresso sabe há muito tempo que assistir a um filme dirigido por Clint Eastwood é garantia de bom investimento. “Os imperdoáveis”, “Sobre meninos e Lobos” e “Menina de Ouro” são apenas alguns exemplos da sensibilidade e correção de um diretor apaixonado por belos roteiros que trazem lindos finais infelizes. Em “Invictus”, Clint está um pouco diferente e faz a opção menos óbvia de sua carreira como diretor: traz ao filme, desde o título, um sinal de esperança. À inegável qualidade da fita, uma crítica que não pode ser deixada de lado é o fato de que, às vezes, o filme dá a impressão de ter cenas descartáveis criadas unicamente para promover a trilha sonora – que, por sinal, é belíssima.

2.Morgan Freeman ainda é um dos melhores atores norte-americanos da atualidade
Quando Nelson Mandela soube que se pretendia fazer um filme sobre sua vida não teve dúvidas ao declarar: “Morgan Freeman é o cara. Para interpretar a melhor personagem, só sendo o melhor ator.” E Morgan Freeman não decepciona. Está inteiro na personagem. Seus gestos, seu olhar, tudo lembra, ao mesmo tempo em que nos faz esquecer, o Mandela original. “Como é mesmo Mandela?” – nos perguntamos. Ah, é igualzinho ao Morgan Freeman.

3.Damon é um ator competente e isso já não é surpresa
Foi-se definitivamente o tempo em que o largo sorriso de Matt Damon desviava a atenção do público da personagem para o ator. Hoje, Matt é um ator completo capaz de interpretar com competência dramas e comédias; personagens inventados e personagens reais. Em “Invictus”, ele interpreta o papel do capitão dos Springbokes (seleção de rúgbi Sul-Africana) durante a Copa Mundial desse esporte que, em 1995, aconteceu na África do Sul durante o governo de Nelson Mandela. Matt Damon está loiro e “bombado” como nunca, mas é seu olhar que chama atenção neste filme.

4.Americanos sempre foram craques em fazer filmes sobre esportes
Baseball, basquete, boxe, futebol americano, golfe, tênis, surfe... ninguém pode negar que americano faz há muito tempo e com muita competência filmes sobre esportes. Em “Invictus”, apesar de rúgbi não ser um esporte muito praticado por americanos, a competência não foge à regra e até espectadores que não entendem as regras são envolvidos pelos “belos” lances do esporte.

5.Mandela é uma personagem surpreendente e isso é óbvio
Grande responsável por unir um país acostumado a conviver por décadas com o apartheid racial, Nelson Mandela surpreende toda a África do Sul ao apoiar, defender e ensinar toda uma nação de uma magoada maioria negra a torcer por um time representante de uma receosa minoria branca. Mandela percebe que o esporte é capaz de unir – e isso também não é nenhuma surpresa. E Mandela une.

Hoje tem cerimônia do Oscar e “Invictus” está indicado a ator(Freeman) e ator coadjuvante(Damon). Será surpresa se ganhar algum. Mas como este é um filme sem surpresas, provavelmente não sairá invicto, também, em Hollywood.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Klara Castanho


Há alguns dias postei neste mesmo blog um texto sobre o filme "Onde vivem os monstros". Hoje venho falar sobre a telenovela "Viver a Vida" da Rede Globo que, de uma maneira um pouco menos fantasiosa que o filme, nos mostra uma criança com muitos monstros dentro de si. A criança, uma menina de nove anos chamada Rafaela, é uma verdadeira pedra no sapato de Helena, a protagonista da trama das 21h.
Mas por que Rafaela é tão má? Por que insiste em torturar a pobre Helena, uma mulher tão boa e que a trata de maneira tão carinhosa? A resposta é simples: puro capricho infantil. Do autor.
Não. A questão aqui não é criticar o autor por criar uma vilã mirim na novela, mas por tirar dessa vilã o aspecto mirim no decorrer da trama.
É muito bom assistir Klara Castanho, a atriz que interpreta a vilãzinha do horário nobre, fazendo caras e bocas para azucrinar Helena (interpretada pela atriz Taís Araújo). O que não é bom é ver a maneira excessivamente articulada como a criança planeja, espreita, cutuca. Não é real, em uma novela realista, uma criança ter tanta sutileza nas ameaças, assim como não é normal um adulto não ameaçar uma criança tão maldosa com, pelo menos, a menção de umas boas palmadas.
Rafaela dá medo em cenas com Helena para, em seguida, reconquistar o público em cenas com Maradona, seu pai adotivo. E, aí sim, o autor se lembra do aspecto mirim da menina que, nesse momento, deixa de ser vilã e passa a ser mocinha.
Ora, se a ideia era fazer uma vilã mirim, por que as duas não se juntam na novela? Por que a criança não pode ser cruel como toda criança é e a vilã precisa assumir ares tão adultos como se estivesse possuída por um demônio? - já vi pessoas comparando Rafaela a Chuck, o brinquedo assassino.
Por que não aproveitar o enorme talento da atriz - que na semana passada deu o ar da graça no "Domingão do Faustão", "Vídeo Game", "Mais Você", "Estrelas" mostrando-se uma criança de verdade - para fazer uma personagem também de verdade?
Monstros, sim, mas sem possessão demoníaca.
Ou existe personagem mais verdadeira que uma criança simplesmente cruel?

Klara Castanho: talento puro
Rafaela: realismo nulo